A VALA DE PERUS

Emocionante exposição sobre a trajetória de Dom Paulo Evaristo Arns inaugurada neste sábado no Centro Cultural dos Correios, em São Paulo. Uma das instalações representa a Vala de Perus. E a outra sala é dedicada ao projeto 'Brasil: Nunca Mais' e às denúncias de tortura.

Abaixo, texto sobre a Vala impresso na parede:

A Vala de Perus

No Dia de Finados, Dom Paulo Evaristo Arns tinha o hábito de celebrar uma missa no cemitério Dom Bosco, no distrito de Perus, zona noroeste de São Paulo. Era, para o cardeal, uma forma de homenagear as vítimas da repressão ocultadas por 15 anos numa vala clandestina.

Entre 1971 e 1976, o cemitério de Perus foi o destino principal dos opositores da ditadura executados pelos órgãos de repressão, em especial o DOI-Codi. Também seguiam para lá os cadáveres das vítimas das polícias ou dos esquadrões da morte, grupos paramilitares que, nos anos 1970, espalhavam o terror nos bairros das periferias. Mesmo quando portavam documentos ou tinham identidade conhecida, essas vítimas eram enterradas deliberadamente como indigentes.

O plano original, traçado ainda em 1970 pelo prefeito Paulo Maluf juntamente com o IML e os generais, era construir um crematório no novo cemitério, a fim de sumir imediatamente com os corpos. O crematório nunca foi feito. Quando os cadáveres a serem ocultados passaram de 1 mil, a alternativa foi abrir um grande buraco no chão e jogá-los ali.

A vala clandestina foi construída de forma irregular em 1975, na gestão do prefeito Miguel Colasuonno, sem nenhum registro oficial de sua criação, numa área que estava reservada para a construção de uma capela, à beira de um barranco. Estreita e extensa, tinha cerca de 30 metros de comprimento por 50 centímetros de largura e 2,70 metros de profundidade.

Foi o jornalista Caco Barcellos quem denunciou pela primeira vez a existência da Vala de Perus, em 1990. Ao repórter, o administrador do cemitério afirmou que os restos mortais de aproximadamente 1.500 pessoas foram ocultados ali entre 1975 e 1976. Coube à Prefeitura ordenar a imediata escavação e retirada das ossadas. Mais de mil caixas foram levadas à Unicamp para análise. Em quase três décadas de idas e vindas entre instituições e laboratórios, foram identificados os restos mortais de Dênis Casemiro (1991), Francisco Eduardo Mayr (1992), Flávio de Carvalho Molina (2005) e Dimas Casemiro (2018).

Atualmente, os trabalhos de identificação estão sob a alçada do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp, o CAAF, estabelecido em 2014. Existe a expectativa de que pelo menos outros dois desaparecidos políticos sejam identificados: Grenaldo de Jesus da Silva e Francisco José de Oliveira.

A ocultação de cadáveres é considerada grave violação de direitos humanos. A recomendação número 27 do relatório da Comissão Nacional da Verdade (2014) determina o prosseguimento das atividades voltadas à "localização, identificação e entrega aos familiares dos restos mortais dos desaparecidos políticos". Concluir a identificação das ossadas de Perus é a recomendação número 1 do relatório da Comissão da Memória e Verdade da Prefeitura de São Paulo (2016).

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