Pensando melhor,não se faz passeata como antigamente!

Como não havia tanta gente assim, lá pelo meio da última manifestação no Rio de Janeiro deu para trocar um dedo de prosa com Maicon Freitas, combativo líder da manifestação carioca.
-Você sabe o que foi o CCC?Perguntei.
-Não tenho a menor ideia. Ele respondeu, e eu acreditei.
-Comando de Caça aos Comunistas. Esclareci, é um grupo paramilitar de extrema direita famoso nos anos 60. E continuei:
-E o Coronel (Carlos Alberto Brilhante) Ustra, já ouviu falar?Indaguei.
-Não sei quem é!Respondeu meio a contragosto.
-É um coronel reformado do Exército Brasileiro, ex-chefe (de 1970 a 1974) do DOI-CODI do II Exército, um dos órgãos atuantes na repressão política, durante o período da ditadura militar no Brasil (1964-1985). Em 2008, Ustra se tornou o primeiro militar a ser reconhecido, pela Justiça, como torturador durante os anos de chumbo (Percebi que ao final da minha explanação que ele tinha se distanciado de mim, fui ao seu encalço e arrisquei outra pergunta)
-E o Médici?Indaguei.
-Ah!É o argentino que joga no Barcelona!Retrucou, ele.
-Não!E arrematei.
-Aquele é o Messi!Eu perguntei sobre o Médici, mas deixa pra lá!Insisti com mais uma pergunta para finalizar:
-Lembra-se das celebres frases do general Figueiredo, como: "Prendo e arrebento" ou "Prefiro o cheiro de cavalos ao cheiro do povo"?
-Não... Nem sei quem foi este tal Figueiredo!E se ele disse isso, não concordo!(Diz ele, em seguida embrenha-se no meio da manifestação).
Maicon Freitas
Com certeza ele não se lembraria, pois tinha 3 anos na ocasião.Maicon Freitas,31 anos,é técnico de segurança do trabalho e lidera a UCC, União Contra a Corrupção. A organização recém-nascida se autoproclama “neutra, nem de direita nem de esquerda”. Veta estandartes de partidos políticos nos protestos.
Indagado sobre a acusação de fascistas, assestada nas redes sociais contra grupos similares ao seu, ele retrucou: “Esse discurso não é válido agora, hoje só vai criar inimizade e intriga”. Maicon advoga “redução da carga tributária” e rejeita a contratação de médicos cubanos para socorrer a população menos favorecida nos rincões onde os colegas brasileiros não se dispõem a atender: “A gente não precisa de médicos importados”, disse ele.
Fustiga o Movimento Passe Livre, de esquerda: “A gente ficou triste porque eles disseram que não iriam chamar mais manifestações, porque a tarifa tinha baixado”.
 Nem precisava perguntar, porém Maicon confirmou, com o rosto pintado com listras verdes e amarelas: “Sou oposição à presidente”.
Ao seu redor, os manifestantes exibiam a faixa “Fora, Dilma; Fora, Cabral; É tudo igual” e o cartaz “Cadê a nossa dignidade, Dilma?”. Outro fazia referência à série “Game of Thrones”: “Dilma, winter is coming” (“Dilma, o inverno está chegando”), outro bem-humorado dizia: "Não queremos médicos cubanos; Queremos enfermeiras suecas".
Logo a multidão gritaria com fervor: “Ô, Dilma, vai se f..., o brasileiro não precisa de você!”. Àquela hora, ignoravam-se as propostas que a presidente lançava em Brasília.
Antes, às 17h15, Maicon Freitas anunciara colado à igreja da Candelária: “Estamos esperando a massa chegar”. Pretendia percorrer o trajeto até a prefeitura, na Cidade Nova. Como a massa chegou num contingente modesto, fecharam a Avenida Rio Branco, rumo à Cinelândia.
A Polícia Militar avaliou-a em 2.000 pessoas. A UCC, em 5.000 a 10 mil. Calculei-a, no momento de maior concentração, no máximo em 4.000. Antes da semana passada, seria expressivo. Comparando com os mais de 100 mil da segunda-feira e os estimados 300 mil da quinta, configurou um retrocesso.
O principal motivo foi o boicote promovido nas redes sociais. A convocação para o protesto na Candelária partiu de uma comunidade do Facebook denominada Nova Era Brasileira, que assim se resume: “Não somos um partido, não somos uma religião, somos movidos por ideia e reivindicação. Somos brasileiros! Vamos pra rua!”. No Facebook, os organizadores foram denunciados como “fascistas” e “de direita”.
Não encontrei um só representante da Nova Era Brasileira, possivelmente ausente por receio de confronto. Quem coordenou o ato foi a União Contra a Corrupção. Eis uma novidade em relação há uma semana antes: A manifestação no Rio agora tem comando, com discursos e ordens.
Alguns jovens de comportamento temerário saíram do Facebook e arriscaram uma manifestação contra a manifestação. Identificado como Lauro, estudante de filosofia na Universidade de Brasília, berrava: “Fascistas, cabos eleitorais do Bolsonaro!”. Quem não conseguisse ouvi-lo, poderia ler o cartaz que ele carregava: “A verdade é dura: a classe média apoiou a ditadura – Nacionalismo = Fascismo”, menção a direitistas que em São Paulo se qualificam como “nacionalistas”. Até a esquina em que acompanhei Lauro, ninguém lhe dera pelota.
Outros quatro universitários, mais sóbrios ou menos ousados, empunharam cartazes. Um dos garotos se opunha ao veto a símbolos de partidos políticos: “Apartidarismo por mais democracia ≠ Antipartidarismo fascista”.
Houve mais um obstáculo notório para a mobilização: a falta de uma reivindicação unitária como a revogação do aumento das passagens dos transportes públicos sete dias antes, eu pagara R$ 3,50 no metrô; ontem, com o recuo do governador Sergio Cabral, desembolsei R$ 3,20.
No dia 17 de junho, o pessoal conclamava: “Vem, vem, vem pra rua vem, contra o aumento!”. Ontem, “Vem, vem, vem pra rua, vem…”, e concluía aí. A comoção com a PEC 37, depois de arquivada pelo congresso nacional já não comove mais.
Com os partidos de esquerda, sindicatos, movimentos sociais distantes. O protesto da geração do Facebook se assemelha a típico “protesto da direita”, mais com muita dificuldade para desfraldar sua agenda, apesar das muitas semelhanças com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, de março de 1964. Um cartaz golpista foi flagrado neste dia, e dizia: “Intervenção militar já”. E os brados retumbantes se diversificavam:
“Pula, sai do chão, quem não quer corrupção!”, bradaram. Bem como: “1, 2, 3, 4, 5, mil, ou para a roubalheira ou paramos o Brasil”; “Puta que pariu, vamos fazer uma limpeza no Brasil!”. Um protético desfilou fantasiado de Batman, de acordo com ele “um símbolo contra a corrupção”.
Gritos e cartazes apontavam: “Cadeia aos mensaleiros”. E para aliados da estirpe de Renan Calheiros, José Sarney e Edison Lobão. Tudo ao ritmo do mantra “Sem partido! Sem partido!”.
Se a União Contra a Corrupção é uma sigla de direita, como aparenta, já não se fazem passeatas de direita como no passado. Porque atacar Edison Lobão seria um sacrilégio para os reacionários de carteirinha. Mais do que parceiro da ditadura instaurada em 1964, o atual ministro foi muito próximo do aparato repressivo mais sangrento.
Mesmo sendo de direita, a manifestação não teve como barrar bandeiras de caráter social, típicas da tradição da esquerda. Elas não faltaram: “Diga não à privatização dos hospitais públicos”; “Não nos machuque, nós não temos hospitais”; “Brasil, vamos acordar, o professor vale mais que o Neymar”; “A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura!”. No fim do cortejo, um homem acenava com um pôster da capa da revista “Carta Capital”: “Parem de subestimar o povo – Ninguém controla a rua”. Ainda que os organizadores preferissem outras publicações, eles não tinham controle sobre quem atendeu ao apelo para protestar.
Na antevéspera do golpe de Estado contra o governo constitucional do presidente João Goulart, a marcha de direita em São Paulo arrastou centenas de milhares de opositores. Passeatas como a de ontem não derrubam nem presidente de escola de samba, embora possam enfraquecer candidatos, como Dilma, nas eleições do ano que vem (A popularidade da presidente Dilma Rousseff caiu de 57% para 30%, a avaliação positiva do governo desmoronou 27 pontos em três semanas após os protestos, segundo o Datafolha).
É também notório que se disseminou uma alergia às atuais agremiações políticas, mas grupelhos fascistóides teriam dificuldades para se prosperarem.
Hoje, todos os principais candidatos ao Planalto em 2014, mais ou menos chamuscados pelas mobilizações em curso, foram opositores da ditadura inaugurada com a queda de Jango.
Li na internet a informação de que os líderes do movimento haviam tentado impor (sem sucesso) aos manifestantes uma saudação neonazista, com os braços estendidos, e a palavra de ordem “dias de luta, dias de glória”.
Não vi. E “Dias de luta, dias de glória” é título e verso de uma música da banda Charlie Brown Jr.
Em 1984, milhões de pessoas foi ás ruas, ungido pelo mais puro sentimento democrático, exigiram: "Eleições livres e Diretas "(Este movimento civil ficou conhecido como "Diretas Já”, pois reivindicava eleições presidenciais diretas no Brasil. Entretanto, a Proposta de Emenda Constitucional foi rejeitada pelo congresso, frustrando a sociedade brasileira).
Novamente em 1992, o povo volta às ruas exigindo o Impeachment de Collor (Fato consumado! Mesmo com a renúncia ao cargo, o processo de impeachment foi votado no congresso. Foram 441 votos a favor - eram necessários 336 - 38 votos foram contra, ocorreram 23 ausências e uma abstenção. E finalmente, Collor teve seus direitos políticos cassados por oito anos, até 2000).
Como participei intensamente destes dois momentos históricos do Brasil, as manifestações de hoje pelo que pude constatar,carecem de consciência política e objetividade, mas, em contrapartida abunda o infantilismo... De fato, já não se faz passeata como antigamente.


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