Porque os filósofos não riem?


Desde os gregos,a filosofia vê o riso e a gargalhada como atos grosseiros!!
 
Penso, logo rio.” Tal afirmação jamais saiu da boca de um filósofo. O filólogo e pensador alemão Manfred Geier vasculhou a história da filosofia atrás da resposta para uma questão simples: por que os filósofos são tão sérios e riem tão pouco? “Ainda hoje, soltar uma gargalhada em debates filosóficos é visto como um ato grosseiro”, disse Geier. “Não deveria ser assim.” O resultado de suas investigações é o ensaio Do que riem as pessoas inteligentes? (Editora Record, 302 páginas, R$ 42,90). “Quis fazer uma excursão pela história da filosofia”, diz Geier. “Durante a jornada, perguntei: o que os filósofos pensaram sobre a graça, o humor e o riso, e em que situações eles próprios riram de determinados temas?”
Geier responde a essas perguntas com sua “pequena filosofia do riso”. Para isso, usa o método de um de seus escritores favoritos, Michel de Montaigne, que costumava dizer: “Não ensino uma teoria, mas conto histórias”. Em sua viagem, Geier pretende provar que existem pessoas inteligentes que amam o saber e não aceitam que uma boa gargalhada seja excluída das altas discussões. Geier diz que o riso foi expulso da filosofia desde o início da prática acadêmica, na Antiguidade.
Platão
De acordo com ele, o grego Platão (427-347 a.C.) foi o maior responsável por banir o riso do debate filosófico. Segundo o historiador Diógenes Laércio, Platão era “tão casto e sério que ninguém jamais o vira rir ”. Por volta de 385 a.C., ao fundar sua escola, a Academia – nome inspirado no bosque Academia, em Atenas, em homenagem ao herói Academo –, Platão desejava formar sábios virtuosos e graves. Ele menciona o riso em seus Diálogos, mas apenas para rejeitá-lo. Na República, defende o governo dos filósofos e denuncia “o malefício do prazer do riso”, indigno do homem livre. Condena a risada frouxa dos deuses, cantada por Homero e Hesíodo. Tal filosofia se baseia nos ensinamentos do mestre de Platão, Sócrates (469-399 a.C.), também ele, diz Platão, defensor da seriedade. (Embora Xenofonte, outro discípulo de Sócrates, tenha descrito o mestre como um bonachão frequentador de banquetes.)
                                                                                                                                                        
Demócrito
O maior antagonista da Academia platônica foi Demócrito ( 470-370 a.C.), conhecido como “o filósofo que ri”. Platão odiava-o a ponto de dizer que, se pudesse, recolheria todos os seus livros para queimá-los. Restaram apenas 300 fragmentos de Demócrito.
Frases e pensamentos de Demócrito:
“A amizade de um único ser humano inteligente é melhor do que a amizade de todos os insensatos.”
“O caráter de um homem faz o seu destino"
“O animal é tão ou mais sábio do que o homem: conhece a medida da sua necessidade, enquanto o homem a ignora.”
“A palavra é a sombra da ação.”
“Tudo que existe no universo é fruto do acaso e da necessidade.”
Demócrito afirma que, dado o vazio, o objetivo da vida está em preencher a alma com alegria. O caminho para sua realização é rir de tudo, de todos e de si próprio. Demócrito não fez escola, embora Aristóteles (384-322 a.C.) tenha partido de suas ideias para descrever o funcionamento físico do riso e sua relação com a comédia. Para Aristóteles, o riso é apaziguador, pois funciona como uma válvula de escape para as paixões.
Diógenes ( 410-323 a.C) foi o último dos pensadores gregos a fazer a apologia do riso. Para ele, o riso é sarcástico e destruidor. Era chamado de cínico porque vivia numa barrica, desprezando os bens materiais. Para o filósofo contemporâneo Peter Sloterdijk, a arma de Diógenes “não é tanto a análise, e mais a risada”. O prazer de viver, dizia Diógenes, é obtido pelo conhecimento das coisas necessárias, não pela posse. Uma anedota da Antiguidade conta que ele se encontrou com Alexandre, o Grande. O imperador se aproximou do filósofo, deitado ao ar livre, e, jogando sombra sobre ele, disse: “Pede-me o que quiseres”. Ao que Diógenes respondeu: “Devolve meu sol”.
Para encontrar eco das ideias de Demócrito em tempos recentes, diz Geier, é necessário visitar o século XVIII, onde o riso passou por uma reabilitação, embora parcial. E as zombarias de Diógenes só foram redimidas por autores iluministas, como Christoph Martin Wieland (1733-1813) e Immanuel Kant (1724-1804). Wieland adotou Diógenes como modelo, e dono de um humor iconoclasta. Na Crítica do juízo (1790), Kant retomou a fisiologia do riso, esboçada por Demócrito e Aristóteles. “A energia vital promovida no corpo, a paixão que movimenta as vísceras e o diafragma, dando a sensação de saúde (...) constituem o prazer que se tem em poder tocar o corpo através da alma e usar esta como médico do corpo”, disse Kant.
O que os filósofos pensam hoje sobre o riso vem dessa tradição. Geier divide as visões atuais em três vertentes. A primeira, tradicional, afirma que o riso é a expressão dos sentimentos de superioridade de quem ri sobre as outras pessoas. Poderia ser chamada de esnobismo. Há a vertente da “teoria da incongruência”, a mais popular. Ela diz que o mundo está tão cheio de contradições e absurdos que há sempre um motivo para dar risadas. Por fim, há a teoria do alívio, formulada por Herbert Spencer, fundador da psicanálise. Ele chamou a atenção para o poder terapêutico da risada. O próprio pai da medicina, Hipócrates, dizia que rir faz bem à saúde. “O riso é a válvula de escape dos excessos de energia nervosa”, diz Geier. “Ele alivia a tensão nervosa.”
O que afinal significa o riso e para que ele serve em nossa vida? É um ato de reflexão? Tem mesmo poder de curar? As correntes de pensamento ensinam sobre o ato de pensar e sobre a vida diária. “Quando você lê sobre o que fez os filósofos rir, aprende sobre as contradições e as ambiguidades da vida”, afirma Geier. “Essas mudanças de estado psicológico provocam risadas e bem-estar, aos acadêmicos e às pessoas comuns.” Quem ri, inevitavelmente, filosofa.  

Comentários