Entenda como agir diante de síndicos autoritários



Quem mora em condomínio sabe que um desentendimento entre vizinhos não é algo muito difícil de acontecer, principalmente se o tema for barulho,filhos dos vizinhos, garagem, animais ou vazamentos. No entanto, a questão pode ficar ainda mais complicada quando um dos envolvidos no conflito é justamente aquele eleito pelos moradores para administrar o edifício: o síndico.
Um pianista  morador há sete anos de um edifício em São Paulo, acaba de abrir um processo por danos morais contra o síndico. Segundo o músico, ele gritou e esmurrou a porta de sua residência, numa tentativa de obrigá-lo a atender às suas reclamações sobre a música executada em um domingo, por volta das 18h30. O caso, testemunhado por uma vizinha através do olho mágico, é exemplar de inúmeros conflitos entre síndicos – que por vezes abusam de sua limitada autoridade – e condôminos – às vezes alheios de seus direitos e deveres.
“A função do síndico é fazer cumprir as determinações da convenção do condomínio, que é um regulamento interno”, afirma o diretor de condomínios do Secovi-SP (sindicato da habitação). “Ele também faz a divulgação de regras e fatos relevantes a todos os condôminos, com cópia de atas de assembleias, ou até mesmo um kit ‘boas-vindas’ aos novos moradores, que inclui a convenção.”
Para um futuro candidato a síndico,é importante que ele saiba que é necessário ter autocontrole e muito jogo de cintura: “Quem extrapola, grita e esmurra portas, acaba perdendo a razão – se é que tinha uma. O condomínio, por outro lado, é uma habitação coletiva, e é preciso ter bom senso quanto a certos aspectos; saber que o direito de um vai até onde começa o do próximo”.
O regulamento interno de um edifício não pode contrariar leis maiores, como a Constituição Federal e o Código Civil, que tratam, respectivamente, sobre direitos e deveres individuais e condomínios. Já o conceito sobre bom senso é, no geral, entendido de forma muito pessoal e subjetiva, e as interpretações podem abrir espaço para abusos de poder. 
No caso do músico, que afirma só tocar piano em horários permitidos pela convenção, não há reclamações oficiais, por escrito, de outros moradores. Além de ter agido, segundo o pianista, de forma agressiva e tentado impor ao músico aleatoriamente os horários da semana em que ele não poderia usar o instrumento, o síndico não informa qual a origem da queixa, para que ele mesmo tente negociar horários com o vizinho reclamante.
Menos persistente que o músico, outro morador decidiu abrir mão de parte de sua privacidade dentro casa, em São Paulo, para evitar brigas com uma síndica, que segundo ele, é muito sensível a ruídos e à presença de visitantes no prédio, além de bastante autoritária.
“Eu já ouvia comentários sobre os mandos dela antes mesmo de entrar no apartamento. No começo, independente da hora, qualquer visita que eu recebia era motivo de reclamações. Ela controla tudo o que acontece no edifício e todos que entram e saem dele. Também tentei algumas vezes ensaiar teclado e guitarra em casa, mas desisti, porque ela se queixou do barulho. Hoje, ando em casa pisando em ovos, quase nunca convido amigos para me visitar, e até mesmo quando estou a sós com minha namorada, a síndica interfona”, afirma ele. 
Segundo um advogado consultado, um síndico não age repressivamente contra um morador por vontade própria. Ele tem de receber reclamações de mais de um condômino, uma vez que “se trata de uma comunidade; o síndico não resolve litígios subjetivos, que envolvam problemas circunscritos a dois condôminos, um contra o outro. Ele só poderá mediar esta negociação”. Da mesma forma, o síndico não poderá usar de seu limitado poder de representação para solucionar, em seu favor, contendas pessoais com certos moradores.
O que fazer?
Frente a síndicos autoritários, muitas vezes, a maior dúvida é como resolver o mal-estar. O advogado indica que, em casos mais graves de abuso de poder, o conselho de condôminos pode ser notificado, por escrito, com um texto que relate os fatos ocorridos, sem fazer juízo de valor sobre a pessoa do síndico. 
“Um quarto dos condôminos de um prédio [mínimo necessário] poderá então se reunir em assembleia extraordinária para discutir o comportamento duvidoso do síndico. Este, por sua vez, terá de deixar o cargo se a maioria absoluta dos presentes [50% mais um] em assembleia votar pela substituição.”
Mas, se for impossível resolver o problema em assembleias --porque o número de inquilinos sem poder de voto é muito grande, ou porque os proprietários não se interessam pelas reuniões--, e o condômino continuar se sentindo moralmente lesado pelo síndico, a única saída será recorrer à Justiça.
Abuso de poder
Para o professor responsável pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da PUC-SP, o candidato a síndico deve ser uma pessoa cordata, mediadora de conflitos por negociação, e que relativiza problemas de convivência. Deve ter experiência administrativa e saber que está a serviço do prédio, e não no comando ou domínio da comunidade. “O síndico não está separado da realidade, e exerce seu pequeno poder a partir da força que lhe é atribuída pelos demais moradores”, afirma.
O professor atribui a forma de exercício desmesurado do pequeno poder à vocação autoritária presente em nossas elites, vocação estudada por autores como Sérgio Buarque de Holanda e o historiador Raymundo Faoro. “O síndico, no geral, não é membro dessa elite, mas reproduz no seu microuniverso o comportamento autoritário. Definir o uso do elevador e da área comum do prédio de forma discriminatória ou cuidar da ordem e dos bons costumes vira uma luta pessoal, que ele considera inerente à função exercida.”

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